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Votorantim,19/05/2025

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    Cadeirantes relatam dificuldades enfrentadas no dia a dia

    Ivana Santana

    Fonte: Ivana Santana
    Cadeirantes relatam  dificuldades enfrentadas no dia a dia Maria Antônia Correia Alonso

    “Tem uma padaria na qual meu filho de 12 anos morre de vontade de ir. Há algum tempo atrás eles fizeram uma reforma na padaria. Nessa reforma eles poderiam ter feito uma rampa. Mas não fizeram. Ele nunca entrou nessa padaria, porque tem degraus, mas ele morre de vontade de ir lá. E tinha como fazer uma rampa, a gente sabe que tinha. Mas falta consciência nas pessoas”. O relato é da dona de casa Ana Maria Santos Carvalho, de 26 anos, que mora no bairro Vossoroca. Seu filho Isaac Santos Carvalho, de 12 anos, nasceu com a “coluna aberta”, nome popular da doença mielomeningocele. Por consequência da doença, Isaac não tem movimentos nas pernas e utiliza cadeira de rodas. O relato da dona de casa é um retrato da rotina de diversos cadeirantes, que enfrentam inúmeros obstáculos no dia a dia na cidade de Votorantim. “Quando eu me deparo com essas situações eu sinto que o cadeirante não tem valor”, afirma Isaac.


    A Lei Ordinária nº 2530, de 13 de março de 2017, instituiu em Votorantim a Política Municipal de Mobilidade Urbana e aprovou o Plano Municipal de Mobilidade Urbana de Votorantim, que foi desenvolvido e viabilizado pela parceria entre a Prefeitura Municipal com as empresas Votorantim Energia, Instituto Votorantim e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, além de contar com a parceria técnica da Risco arquitetura urbana. O segundo parágrafo do Artigo 3º da Lei expõe que um dos princípios dessa Política, em consonância com a Política Nacional de Mobilidade Urbana, é a “acessibilidade ao portador de deficiência física ou de mobilidade reduzida”. Os demais parágrafos ainda citam tópicos como “universalidade do direito de se deslocar e usufruir a cidade”, “equidade no acesso dos cidadãos ao transporte público coletivo” e ainda “segurança nos deslocamentos para promoção da saúde e garantia da vida”. Porém, alguns cadeirantes que residem em Votorantim afirmam que a situação na prática é bem diferente da teoria.


    Isaac estuda na Escola Estadual Wilson Prestes Miramontes, que fica no bairro Parque Jataí. Sua mãe conta que inicialmente ele havia sido matriculado na E. E. Daniel Verano, que é mais próxima de sua residência, mas, pela escola não ter acessibilidade, ele teve que ser transferido para uma escola que possui. Além da escola, Isaac faz fisioterapia, aula de teclado e aula de dança (balé) adaptada. Hoje, ele vai para a escola com ônibus escolar adaptado da prefeitura e de carro com seu pai para as outras atividades, mas, quando dependia do transporte coletivo urbano para se deslocar, teve problemas.


    “Eu já andei bastante de ônibus aqui na cidade. Tinham muitos ônibus que paravam no ponto, mas quando eu ia subir, os motoristas falavam que a rampa não estava funcionando. Isso era ruim, porque eu tinha que esperar outro ônibus, mas às vezes o outro tinha o mesmo problema. E ainda tinham alguns motoristas que nem paravam, só faziam sinal negativo quando viam que eu era cadeirante e seguiam viajem”, conta Isaac.


    Fora os transtornos com a escola e com o transporte coletivo, Isaac ainda relata outros problemas que enfrenta no dia a dia. “Aqui em Votorantim tem muitas calçadas com buracos. Eu tenho que andar na rua para não passar nos buracos. Quando eu vou entrar em lojas, quase sempre meu pai ou minha mãe tem que me ajudar, porque tem degrau e eu não consigo entrar sozinho. Se as lojas tivessem rampa seria mais fácil, pois eu conseguia entrar sozinho. Quando eu crescer e for andar sozinho, sem meu pai ou minha mãe, eu vou ter que pedir para alguém da loja me ajudar entrar. Para mim seria melhor se eu conseguisse entrar sempre sozinho. Eu acho que cidade deveria ser mais adaptada porque ia facilitar muito para nós cadeirantes”, desabafa Isaac.


    “O Isaac é perfeito, ele só não anda. Ele é muito independente. Ele procura fazer as coisas dele tudo sozinho. Porém, para sair, dependendo do lugar, ele precisa de ajuda. Isso é muito difícil, porque se novo assim ele já quer ser independente de tudo, imagina quando ele for maior e quiser sair sozinho? Vai ter que depender de ajuda dos outros às vezes. Tem cadeirante que nem sai de casa por causa disso. Às vezes até eu tenho medo de levar ele em alguns lugares e não ser adaptado. Sempre que ele quer ir a algum lugar eu pesquiso sobre lugar, eu me preocupo com isso”, relata Ana Maria, mãe de Isaac.


    E os cadeirantes mais velhos, infelizmente, relatam que os medos da mãe de Isaac acabam se concretizando. A aposentada Maria Antônia Correia Alonso, de 54 anos, que mora no bairro Barra Funda, teve poliomielite aos nove meses de idade e utiliza cadeira de rodas há mais de 25 anos. Ela afirma que a acessibilidade na cidade é muito ruim. “Primeiro é importante dizer que eu consegui comprar uma cadeira de rodas elétrica há poucos anos. Eu não consigo andar na cidade com a cadeira de rodas normal, é muito ruim! Eu fiquei mais de 30 anos praticamente sem sair de casa por isso. Mas ainda enfrento problemas. Na rampa que dá acesso ao terminal, por exemplo, eu sempre preciso de ajuda também. Já até estraguei a roda da minha cadeira de rodas porque fiquei presa lá, eu estava tentando passar sozinha, não queria pedir ajuda. Mas tive que pedir ajuda de estranhos na rua para passar lá. Eu me sinto humilhada com uma situação dessas, de ter que ficar pedindo ajuda para os outros na rua. Não ter acessibilidade tira a nossa liberdade.”, conta Maria.


    Maria também relata que já teve problemas com ônibus na cidade. “Os motoristas olhavam feio para mim. Eles não gostavam de parar o ônibus e descer para abaixar a rampa para me ajudar a subir. Mas eu reclamei nas redes sociais e hoje está melhor a situação”, explica.


    Porém, Maria concorda que o maior problema enfrentado pelos cadeirantes em Votorantim é dificuldade de entrar em lojas, pois a maioria tem um ou mais degraus e não tem rampas ou elevadores. “Às vezes eu peço para o vendedor vir na rua porque não dá para eu entrar na loja. O que custa para os comércios fazerem uma rampa? Eu acho que a gente é invisível para a população porque nós somos minoria. Esses dias eu estava conversando com meu filho sobre isso e ele falou que não somos minoria, mas que as pessoas querem esconder a gente por causa desses problemas mesmo. Outra situação, eu costumo sair em barzinhos, mas a maioria não tem banheiro acessível. Aí a gente entra lá e não pode tomar nada, porque se der vontade, não consegue ir ao banheiro”, relata.


    A aposentada destaca ainda a questão das vagas para deficientes físicos. Há sete meses Maria comprou uma moto adaptada, mas afirma que não é fácil estacionar. As vagas para deficientes até existem, mas não são respeitadas. “Eu já vi carros parados na vaga de cadeirantes, e eram carros de pessoas que não eram cadeirantes. Ai eu já deixei bilhete no para-brisa, pedindo para que a pessoa tenha respeito da próxima vez que for estacionar. Teve um mercado perto da minha casa que fez uma rampa de acesso para mim, mas aí os carros paravam em cima da rampa! É muita Nós, que somos cadeirantes precisamos disso, somos gente igual todo mundo. Minha deficiência nunca me impediu de ter a minha vida. Eu gosto de sair, vou até em shows. Mas muitos cadeirantes não têm coragem de sair para a rua por causa dessas humilhações que a gente tem que passar, eu já passei por essa fase. Eu queria ver bastante cadeirante andando pelas ruas e lutando pelos nossos direitos”, destaca Maria.


    A também aposentada Regina Bernadette Abbad, de 57 anos, que mora no bairro Vossoroca, teve poliomielite com um ano e também se locomove com cadeira de rodas. Ela diz que luta muito por seus direitos, e reconhece que muitas melhorias foram implantadas em alguns pontos da cidade depois que ela solicitou. “A acessibilidade no terminal de ônibus, por exemplo, é ótima. Hoje os ônibus atendem bem a nossa necessidade, eles estão bem acessíveis. Em relação a prédios públicos, como Câmara e Prefeitura Municipal, eles são bem adaptados. Eu ando bastante pelo centro de Votorantim. Algumas lojas se preocupam e tem responsabilidade com acessibilidade, eu já pedi rampas e elevadores em lojas e fui atendida. Mas infelizmente ainda têm alguns comerciantes resistentes a fazer uma adequação para nós, e isso é muito lamentável. Apesar de ter as leis, eles subestimam e não se adequam. Eles respeitam outras leis, mas acham que fazer rampa não é chique, não embeleza local, então não fazem”, relata Regina.


    A aposentada ainda frisa que a falta de acessibilidade prejudica também outras pessoas, como os idosos. Ela relatou para a nossa reportagem que na tarde da última terça-feira (12), presenciou uma idosa desmaiar em uma lotérica de Votorantim. “Ela caiu de tanto esperar em pé. As lotéricas não têm bancos, não tem estrutura, e por vezes tem filas enormes”, afirma. Sobre o ocorrido, a Caixa informou que realizará visita ao local para verificar a denúncia apontada. “Em caso de confirmação, realizará as medidas necessárias para que a unidade lotérica atue de acordo com a adequação física”, afirmou a Caixa em nota.


    “Topografia não pode ser desculpa”, diz vereador




    O vereador, arquiteto e urbanista Alfredo Pissinato Júnior (PPS), explica que a Lei de Mobilidade Urbana basicamente cria um plano de ação para o município, no qual a cidade deve desenvolver políticas públicas nas quais se priorize o pedestre ao carro. “Então, toda criação, seja em uma praça, seja no semáforo, seja no asfalto, seja na criação de linhas de ônibus, ciclovias, enfim, mas que se dê preferência a projetos e obras que beneficiem o pedestre, que deem essa prioridade. Entre essas prioridades está a acessibilidade. Muita gente confunde mobilidade urbana com acessibilidade. A acessibilidade é um dos itens do Plano de Mobilidade Urbana, é um item muito importante e que carece de muita atenção”, explica.

    Pissinato explica que Votorantim tem como agravante a topografia. “A acessibilidade é um problema no Brasil e no mundo. Mas na nossa cidade a coisa fica um pouco pior por causa da nossa topografia, e na maneira em que os lotes foram sendo distribuídos nos nossos aclives e declives. Nós já temos problemas nas calçadas, pois elas são adaptadas para os carros entrarem e aí são criadas as cunhas, e o pedestre tem que descer degraus de às vezes até um metro para poder andar na calçada e não ser atropelado. Isso é péssimo, isso dificulta bastante até para as pessoas caminharem. O cadeirante, então, tem mais dificuldade ainda. Porém, isso não pode ser desculpa para nós não darmos mais qualidade de acesso e mobilidade para as pessoas. Existem, por exemplo, na cidade de São Paulo, muitas regiões parecidas com Votorantim e lá existem projetos públicos para adaptação de calçadas. Se não for possível melhorar a questão do aclive e declive, então que se admita um degrau com corrimão, e dentro da altura padrão, para que as pessoas usem com segurança. Existe ainda a possibilidade de intervenção na rua, de você tirar uma faixa da via e dar para o pedestre, já que a calçada está impossível. Enfim, existem caminhos e soluções, mas é preciso vontade, planos e projetos para que isso aconteça”, afirma.

    “Infelizmente nós não temos uma boa adesão à Lei de Acessibilidade aqui no município. Muitos projetos de construções novas não preveem esse acesso ou essa qualidade de espaço para pessoas com necessidades especiais e/ou que tem alguma limitação física. Infelizmente, culturalmente nós estamos muito atrasados nesse sentido. Prédios como bancos e shoppings, que já tem uma cobrança maior, eles acabam sendo um pouco mais adaptados. Mas as pessoas não vão só a bancos e a shoppings. A adaptação tem que ser mais do que uma imposição legal. Um bom empreendedor quer dar acesso para todo tipo de cliente, e quanto mais barreiras o cliente tiver, mais difícil vai ser ele chegar lá. Eu acho que é mais do que um cumprimento de lei, é uma questão de estratégia e inteligência”, conclui Pissinato.

    A Prefeitura informa “que o Poder Legislativo aprovou, em março de 2017, a Lei n° 2530, que institui o Plano Municipal de Mobilidade Urbana de Votorantim. Dentro deste assunto, a Prefeitura firmou um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ministério Público para realizar as obras necessárias de acessibilidade em todos os prédios públicos. Para tanto, está elaborando um projeto para buscar verbas no programa Avançar Cidades, do Ministério das Cidades. Do mesmo modo, as ações visam melhorar a acessibilidade dos portadores de deficiência em calçadas e vagas de estacionamento de veículos, por exemplo. No transporte escolar, a Prefeitura também tem ampliado os espaços adaptados para portadores de deficiências. Além disso, desde que a lei entrou em vigor, a Secretaria de Obras e Urbanismo exige que seja realizada toda acessibilidade necessária nos projetos que chegam para serem aprovados”.





    Publicado na edição 308 do jornal Gazeta de Votorantim, de 16 a 22 de março de 2019, página 03.





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