Conselheiro do TCE questiona “carona para o inferno” com atas de registro de preços aderidas pela Prefeitura de Votorantim

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP) referendou, nesta quarta-feira (03/09), durante sessão do Pleno, a decisão do Conselheiro Marco Bertaiolli de suspender o pagamento para a compra de uniforme escolar pela prefeitura de Votorantim, no valor de R$ 7.685.853,00, por meio de ata de registro de preço.
O voto do Conselheiro traz o questionamento de como atas de regime de preço têm hoje funcionado como instrumentos de deturpação dos procedimentos legais, notadamente o instrumento da carona, usado de forma indiscriminada por entes públicos.
Essa modalidade de contratação permite que um órgão ou entidade não participante daquele procedimento licitatório originário a ele faça adesão, adquirindo os bens ou serviços lá pactuados, garantindo, assim, vantagens ao caroneiro, como a agilidade nas aquisições, economia de tempo e recursos, inclusive na opção em não deflagrar certame licitatório para aquele fim, regulação de estoques, dentre tantos outras.
No caso de Votorantim, a ata foi lançada pelo Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento Econômico e Social do Vale do Rio Cuiabá, no Estado de Mato Grosso. A representação analisada pelo Tribunal indicou que o atual valor contratado representava mais do que o triplo do montante despendido no exercício anterior, para o mesmo objeto, a sugerir ocorrência de sobrepreço e divergência de quantitativos.
Haveria ainda irregularidade procedimental, visto que a autoridade responsável teria demonstrado as peças de uniformes em redes sociais em data anterior ao empenho da despesa.
“A carona tem se transformado em uma carona para o inferno, para um lugar errado. Porque aderir a uma carona em Mato Grosso, com todo respeito ao Estado de Mato Grosso, não me parece atitude mais correta para um município do Estado de São Paulo. Defendo que, primeiro, consórcios estão formados para atender a seus entes consorciados, e não a terceiros”, afirmou Bertaliolli.
Além disso, em segundo lugar, o uso indiscriminado da ata de regime de preços esbarra em legislação estadual. “Como nós, do Estado de São Paulo, vamos fiscalizar adequadamente os procedimentos adotados pelo consórcio de Cuiabá para saber como aquela ata foi utilizada? Além disso, a ata está banalizada. Consórcios estão hoje banalizando produtos, do alfinete ao foguete, e aí cada um faz a compra que desejar. Portanto, acho urgente que a nossa SDG (Secretaria-Diretoria Geral) delimite os limites que este Tribunal aceitará nestas caronas em atas de registro de preço”, sugeriu o Conselheiro.
Antes da suspensão do pagamento do contrato, a Prefeitura de Votorantim teve assegurado o direito de se justificar. A resposta, no entanto, causou estranheza ao Conselheiro. “A resposta foi que a adesão era para a aquisição de ovos de Páscoa. Portanto, é de uma negligência absurda o trato da Prefeitura Municipal de Votorantim com o recurso público. Foram notificadas tanto a Prefeitura quanto a empresa fornecedora para que possam apresentar a esta corte as razões pelas quais levaram a Prefeitura a tomar essa decisão”, acrescentou Bertaiolli.
Os incisos I e II do §3º do art. 86 da Lei 14.133/2021 preveem a possibilidade de adesão à ata de registro de preços por aqueles não participantes da licitação originária, isto é, regulamenta as caronas, nas seguintes hipóteses:
i) os órgãos e entidades da Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal podem aderir à ata de registro de preços de órgão ou entidade no âmbito federal, estadual ou distrital; trocando em miúdos, aqui excluiu-se a possibilidade de adesão às atas de registro de preços de órgãos municipais;
ii) os órgãos e entidades da Administração Pública municipal podem aderir à ata de registro de preços de outro órgão ou entidade gerenciadora municipal, desde que o sistema de registro de preços tenha sido formalizado mediante licitação; a dizer, permitindo a adesão à ata de registro de preços entre municípios e entidades municipais, da mesma natureza, em uma espécie, chamemos, de adesão “intermunicipal”. Já o §8º do mesmo artigo, veda “aos órgãos e entidades da Administração Pública federal a adesão à ata de registro de preços gerenciada por órgão ou entidade estadual, distrital ou municipal”, ou seja, órgãos e entidades da Administração Pública federal só podem aderir a atas de outros órgãos e entes federais.
Impuseram, ainda, os §§4º e 5º do art.86 da Lei nº 14.133/2021, limitação aos quantitativos passíveis de serem contratados, igualmente a saber:
i) as aquisições pelo “caroneiro” não poderão exceder a 50% dos quantitativos dos itens do instrumento convocatório registrados na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e para os órgãos participantes, e
ii) o quantitativo decorrente das adesões pelos “caroneiros” não poderá exceder, na totalidade, ao dobro do quantitativo de cada item registrado na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e órgãos participantes originários, independentemente do número de órgãos não participantes que aderirem à ata.
Fonte: TCE SP
Prefeitura de Votorantim se manifesta sobre a decisão no TCESP
A Prefeitura de Votorantim emitiu uma nota à imprensa nesta quinta-feira (04) comentando a decisão do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), proferida nesta quarta-feira (3), que referendou medida cautelar de suspensão do pagamento referente à aquisição de uniformes escolares, no valor de R$ 7.685.853,00.
Confira o texto na íntegra:
“É importante esclarecer que não procede a informação de que a Prefeitura teria prestado respostas divergentes ou inadequadas ao Tribunal. Ao contrário, todas as informações solicitadas foram apresentadas no prazo de 48 horas determinado inicialmente, conforme reconhecido pelo próprio Conselheiro Relator em seu despacho, que registrou a manifestação detalhada do Município, conforme segue no documento:
“...Em resposta, a Prefeitura de Votorantim apresentou documentos, aduzindo, a propósito, as seguintes razões (evento 24):
• O crescimento exponencial do número de educandos, impulsionado por fatores positivos (como a inauguração e ampliação de novas unidades) e externos (como medidas judiciais), levou a municipalidade a aderir à ata de compras com quantidade significativamente superior à licitação anterior;
• A licitação cumpriu os requisitos previstos no artigo 86 da Lei de Licitações;
• A estranheza manifestada pelo autor acerca do valor total, quando comparado a outras licitações, decorre sobretudo do fato de o certame anterior contemplar objeto mais restrito e reduzido, englobando-se, agora, mais produtos por kit;
• A divulgação prévia do modelo do uniforme, antes da emissão da nota de empenho, afasta-se dos preceitos legais e do ciclo orçamentário, que é distinto do ciclo de contratação. Além disso, a intenção do chefe do Poder Executivo foi garantir a publicidade do processo, atendendo às cobranças dos pais. Ressalte-se que o objeto da licitação já havia sido adjudicado, e a nota de empenho corresponde a uma fase posterior, destinada apenas à verificação da liquidez da obrigação;
• A denúncia revela preconceito regional, ao pressupor que a melhor qualidade e preço só seriam alcançados se o consórcio fosse firmado em São Paulo;
• O perigo na demora também não restou caracterizado, pois, caso se identifique alguma irregularidade ao final, existem outros meios adequados para a correção, sem a necessidade de paralisar o serviço público e, consequentemente, sem prejudicar as crianças e os pais que aguardam ansiosamente pelo recebimento dos uniformes;
• A suspensão da entrega dos uniformes e da adesão à Ata pode ocasionar danos maiores do que a continuidade do serviço, especialmente considerando o acompanhamento e o controle exercidos pelo próprio munícipe, pela Câmara Municipal e por esta Corte, que fiscaliza a execução contratual; e
• Além disso, no tocante à alegação de possível sobrepreço, é imprescindível destacar que, em contratações públicas, não se pode considerar exclusivamente o critério do menor preço. Na oportunidade, foram apresentados os fundamentos técnicos e legais que justificaram a adesão à ata de registro de preços, destacando-se:
• o aumento expressivo do número de alunos da rede municipal, em razão da ampliação de unidades escolares e de decisões judiciais;
• o fato de o certame contemplar kits mais completos que a licitação anterior, o que explica a diferença de valores;
• a legalidade da adesão, amparada pelo artigo 86 da Lei de Licitações;
• a transparência garantida com a divulgação prévia do modelo dos uniformes;
• a inexistência de prejuízo ao erário, considerando os mecanismos de controle já existentes.
Por fim, a Prefeitura de Votorantim ressalta que ainda está no prazo para apresentação de defesa de mérito no processo em trâmite junto ao TCE-SP e que todos os esclarecimentos complementares e documentos pertinentes serão devidamente encaminhados à Corte de Contas.
Informa que, enquanto aguarda o julgamento do procedimento, o Município permanece preservando o erário, tendo determinado que não fosse realizado qualquer pagamento à empresa enquanto não houvesse a troca dos uniformes. Sobreveio a decisão de suspensão pela Corte de Contas, muito embora a municipalidade já tenha efetuado todas as trocas necessárias, com os números prontos para serem levados ao conhecimento do Tribunal. Ressalta que respeitará a decisão na íntegra, aguardando solução para o caso. Informa ainda que está adotando todas as providências cabíveis quanto às novas informações advindas em relação ao contrato.”
Conselheiro Marco Bertaiolli
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